terça-feira, 17 de março de 2009

O crash de 1929: lição perdida?

“As estradas do oeste e do sudoeste pululam de pessoas famintas pedindo carona. As fogueiras dos acampamentos dos desabrigados são visíveis ao longo de todas as estradas de ferro. Vi homens, mulheres e crianças caminhando penosamente pelas estradas. A maioria deles eram proprietários de fazendas que tinham perdido tudo na recente baixa do preço do trigo e do algodão. Os fazendeiros estão sendo pauperizados pela pobreza das populações industriais e as populações industriais, pauperizadas pela pobreza dos fazendeiros. Nenhum deles tem dinheiro para comprar o produto do outro: conseqüentemente há excesso de produção e carência de consumo, ao mesmo tempo e no mesmo país”.

A descrição acima foi retirada de um relatório ao subcomitê da Comissão de Assuntos Trabalhistas da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos no ano de 1932. Seu autor, Oscar Ameringer, descreveu a situação de desemprego, desespero e miséria que afligia boa parte da população norte-americana, acentuando as disparidades do modelo capitalista de economia.


Contradições do Capitalismo: fila de desempregados em frente a um cartaz do American Way of Life


Passados três anos da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em agosto de 1929, a maior potência do mundo ainda não havia se recuperado da catástrofe que abalara sua economia. A produção industrial dos EUA caíra por volta de um terço entre 1929 e 1931 e os níveis de desemprego beiraram 30% da população ativa. À luz dessas informações, os historiadores acreditam que esse período equivaleu a algo muito próximo de um colapso da economia mundial, visto que havia um círculo vicioso no qual cada queda de certos indicadores econômicos reforçava o declínio em todos os outros.

No entanto, não foi surpreendente que a economia mundial ficasse em apuros. O pós-guerra mostrara claros sinais de estagnação econômica, a exemplo da queda dos preços dos produtos agrícolas. A crise dos grandes impérios europeus deixou espaço para a ascensão dos Estados Unidos, que passaram a importar aproximadamente 40% das matérias-primas dos quinze países mais comerciais do mundo, desequilibrando a balança da economia mundial. A expansão norte-americana, marcada pela difusão do American way of life e do consumismo, entretanto, não foi acompanhada por uma demanda suficiente. Ocorreram superproduções industriais e agrícolas que diminuíram os preços dos produtos, gerando menos lucros aos detentores dos meios de produção, os quais, consequentemente, reduziram a utilização de mão-de-obra em seus estabelecimentos. Instalava-se uma crise não apenas no hemisfério norte, mas mundial.

Para se ter uma idéia de como o crash de 1929 atingiu outras economias, a unidade monetária alemã ficou reduzida a um milionésimo de milhão do seu valor de 1913, o desemprego chegou a 44% e o nível de insatisfação com as ações governamentais foi tamanho que permitiu a subida de Adolf Hitler ao poder. No Brasil, houve o rompimento da política do café-com-leite e Getúlio Vargas deu um golpe que transformaria a história brasileira, permanecendo no poder por quinze anos. Para tentar se recuperar da crise, os países aumentaram o protecionismo econômico e as barreiras alfandegárias, retraindo a integração econômica internacional.

Ascensão do Nazismo: comício de Nuremberg

No entanto, o mais interessante ao nos depararmos com a crise de 1929 é perceber a memória curta dos economistas e dos governantes. Eric Hobsbawm, renomado historiador, explicou que uma das causas do colapso ter sido tão drástico nos EUA foi a grande especulação imobiliária oferecida pela enorme expansão do crédito ao consumidor. Às vésperas da crise, os bancos estavam sobrecarregados de dívidas não saldadas e recusavam novos empréstimos para habitação e o refinanciamento para os existentes. Esse fato ocasionou a liquidação de cerca de mil propriedades por dia em 1933, além do fim do sonho americano para muitos habitantes daquele país.

Tais fatos são idênticos àqueles que, nos dias atuais, levaram à bancarrota sólidas instituições financeiras como o Lehman Brothers e o Merrill Lynch, o que nos leva a pensar que o crash de 1929 talvez tenha sido uma lição perdida, apagada nas mentes mais jovens que não viveram aquelas agonias e que dormiram tranquilamente em colchões recheados de dinheiro.

Por João Carlos Rocha
Ps. Este artigo será publicado na Revista Cultural DAVI, que encontra-se no prelo.

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